Posteriormente, a partir do julgamento do HC nº 83.006-SP, Pleno, por maioria, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 29.08.2003, a jurisprudência do Tribunal evoluiu para admitir a possibilidade de ratificação pelo juízo
competente inclusive quanto aos atos decisórios.
Nestes termos, não há nulidade na ratificação da denúncia, posto que tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça pacificaram o entendimento no sentido de admitir a convalidação dos
atos decisórios praticados por juízo incompetente, mesmo quando se tratar de incompetência absoluta (STF - HC 123.465, DJe de 19/02/2015; STJ - RHC 76.745 RJ, DJe de 04/04/2017).
Dessa forma, reconhecida a incompetência do Juízo Federal de Osasco/SP para processar o feito, não há qualquer óbice à ratificação da decisão que recebeu a denúncia pelo órgão jurisdicional competente,
conforme precedentes do STF e do STJ, não podendo se falar em prescrição.
Aduzem os impetrantes, ainda, a ausência de justa causa para a ação penal em razão da denúncia ter se baseado unicamente nos dizeres de Anda Gabriela Moscotici Danilov em colaboração premiada, sem
qualquer diligência comprobatória dos fatos alegados.
Não é o que se verifica dos autos.
A justa causa para a ação penal consiste na exigência de suporte probatório mínimo a indicar a legitimidade da imputação e se traduz na existência de inquérito policial ou nas peças de informação que instruem a
denúncia, com elementos idôneos que demonstrem a materialidade do crime e indícios razoável de autoria.
Segundo a denúncia, a acusação do paciente funda-se no compartilhamento de provas angariadas na Operação Hopócrates conduzida junto à Subseção Judiciária de Campinas/SP, bem como no Acordo de
Colaboração premiada firmado com a investigada ANDA GABRIELA MOSCOVICI DANILOV e das provas de corroboração respectivas (Id 142149375):
A Operação Hipócritas descortinou uma ampla rede criminosa, com abrangência em diversos municípios, notadamente no estado de São Paulo, em que assistentes técnicos, comumente “autorizados” e
aparentemente financiados pela parte (geralmente empresas reclamadas) que assistiam nos processos trabalhistas e, em alguns casos, contando com a intermediação de advogados, ajustavam o pagamento de vantagens indevidas
a peritos judiciais para emissão de laudo pericial favorável à parte interessada, sendo que em alguns casos os peritos judiciais solicitaram, aceitaram e/ou receberam os valores oferecidos e, por conta disto, beneficiaram a parte
que lhes pagou.
A investigada ANDA GABRIELA MOSCOVICI DANILOV, que atuava como assistente técnica de empresas reclamadas em reclamações trabalhistas, manifestou interesse em cooperar com as
investigações, sendo, afinal, celebrado Acordo de Colaboração Premiada com o Ministério Público Federal em Campinas/SP.
A colaboradora informou sobre irregularidades no pagamento de vantagens indevidas a peritos judiciais entre os anos de 2006 e 2007, vez que os auxiliares do juízo cobravam uma “taxa” – que girava em torno de
R$ 2.500,00 – para que elaborassem laudos periciais que favorecessem determinada parte processual.
Segundo a peça acusatória, a colaboradora teria aderido ao conluio e passado “a efetuar pagamentos aos peritos judiciais, pois, segundo suas declarações, caso não anuísse com aquele estado de coisas,
ficaria impossibilitada de exercer o seu trabalho como assistente técnica, considerando que muitas vezes os laudos eram propositalmente confeccionados, pelos peritos, em sentido contrário aos interesses da parte
que possuía assistente técnico constituído nos autos da reclamatória, mesmo nas situações em que, de fato, assistia-lhe razão no tocante à inexistência de doença profissional, periculosidade ou insalubridade no
ambiente de trabalho.”
Tais condutas eram praticadas por determinados advogados das pessoas jurídicas reclamadas e pelos próprios peritos judiciais e as tratativas que culminavam nos atos de corrupção ficavam restritas aos
causídicos, assistentes técnicos e peritos. Entretanto, quando a colaboradora exercia o papel de intermediária das vantagens indevidas representando diversas empresas reclamadas, os valores das propinas eram obtidos
mediante a emissão de “Notas de Débitos” pela ASSISTÊNCIA EM MEDICINA INTERNA OCUPACIONALLTDA. – AMEO, empresa de ANDA GABRIELA, que embutia nos documentos os valores
referentes aos atos de corrupção sob a rubrica “extras”.
Consta, ainda, que as vantagens eram adimplidas tanto por meio de depósitos bancários, via cheques e transferências bancárias, como também pagas em espécie nos consultórios dos peritos judiciais por ocasião
do exame pericial. Inclusive, alguns auxiliares da Justiça, quando da realização dos pedidos de propina, seja via e-mail ou até mesmo presencialmente, na frente dos reclamantes periciandos, utilizavam o nome de determinados
documentos técnicos dissimuladamente para fazer alusão às vantagens indevidas que estavam a solicitar, tais como o Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP, o Relatório do Programa de Prevenção dos Riscos Ambientais –
PPRA, o Relatório do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO, o Laudo Técnico das Condições do Ambiente de Trabalho – LTCAT, dentre outros.
Conquanto a investigação das condutas praticadas por ANDA GABRIELA tenha se iniciado diante da descoberta de indícios de infração penal em perícias realizadas nas Varas do Trabalho de Hortolândia e
de Campinas (tendo como reclamadas as empresas SODEXO e BENTELER), sua colaboração premiada revelou a prática sistemática de corrupção em outras localidades, constituindo, ao que parece, núcleos criminosos
autônomos, a ensejar o desmembramento dos autos em relação aos fatos estranhos à Subseção Judiciária de Campinas/SP.
A denúncia em questão trata do delito de corrupção passiva praticado pelo perito judicial OSMAR GOUVEIA XAVIER, ora paciente, em razão de sua atuação na reclamação trabalhista nº 000034842.2011.502.0231, que tramitou perante a 1ª Vara do Trabalho de Carapicuíba/SP.
Sobre os fatos criminosos, narra o Ministério Público Federal na denúncia oferecida (Id 142149375):
“OSMAR GOUVEIA XAVIER, livre e conscientemente, recebeu para si, em razão de sua atuação como perito judicial no bojo da reclamação trabalhista nº 0000348-42.2011.502.0231, ajuizada em face da
empresa CQM CONSTRUTORA LTDA perante a 1ª Vara do Trabalho de Carapicuíba/SP, vantagem indevida, consistente num total de R$5.100,00 (cinco mil e cem reais), por meio de dois cheques emitidos pela
empresa ASSISTÊNCIA EM MEDICINA INTERNA OCUPACIONAL LTDA. - AMEO (de propriedade da assistente técnica ANDA GABRIELAMOSCOVICI DANILOV) e compensados em sua conta
bancária em 23/08/2011 e 03/02/2012.
No mês de fevereiro de 2011, Marcelino dos Santos Caldeira ajuizou reclamação trabalhista em face da empresa CQM CONSTRUTORA LTDA., distribuída à 1ª Vara do Trabalho de Carapicuíba/SP (autos nº
0000348-42.2011.502.0231).
Diante da necessidade de realização de perícia médica, o Juízo trabalhista nomeou como perito o médico OSMAR GOUVEIA XAVIER.
Tendo em vista se tratar de perito já conhecido das empresas como contumaz recebedor de valores a título de “taxa” pela confecção de laudos periciais em ações trabalhistas, o advogado e um representante da
empresa reclamada procuraram a assistente técnica ANDA GABRIELA MOSCOVICI DANILOV para saber se ela possuía abertura com OSMAR GOUVEIA XAVIER para realizar a intermediação do
pagamento.
Com a resposta afirmativa de ANDA GABRIELA, ela foi contratada como assistente técnica naquele caso.
Assim, ANDA GABRIELA pagou inicialmente R$4.000,00 (quatro mil reais) a OSMAR GOUVEIA XAVIER, por meio de cheque (doc. 1180) de sua empresa, a ASSISTÊNCIA EM MEDICINA INTERNA
OCUPACIONAL LTDA.- AMEO, compensado por OSMAR em conta de sua titularidade no Banco do Brasil (Ag. 4852,Conta 137258) em 23/08/2011.
OSMAR GOUVEIA XAVIER recebeu ainda um segundo cheque da empresa AMEO (doc. 1255), no valor de R$1.100,00 (mil e cem reais), o qual foi compensado em outra conta de sua titularidade no Banco do
Brasil (Ag. 7002, Conta 3077) em 03/02/2012, um dia após a data designada para a perícia.
O laudo pericial de OSMAR GOUVEIA XAVIER foi protocolado na Justiça somente no dia 28/06/2012.
Assim agindo, OSMAR GOUVEIA XAVIER praticou o delito do art.317 do Código Penal.
DA JUSTA CAUSA.
A materialidade e a autoria do delito estão comprovadas nos autos pelos elementos a seguir:
I) Extrato detalhado da conta da empresa ASSISTÊNCIA EMMEDICINA INTERNA OCUPACIONAL LTDA.- AMEO no banco Itaú (Ag757, C/C 377551) no período de 04/01/2010 a 31/12/20152 e análise
dos extratos bancários de ANDA GABRIELA e da empresa AMEO, em que identificada a compensação de cheques da empresa AMEO nos valores de R$4.000,00 (quatro mil reais) eR$1.100,00 (mil e cem reais),
em contas de OSMAR GOUVEIAXAVIER nos dias 23/08/2011 e 03/02/2012, respectivamente;
(...)
II) Extrato de andamento processual da reclamação trabalhista nº0000348-42.2011.502.0231, em que se verifica a nomeação de OSMAR GOUVEIA XAVIER como perito naqueles autos, bem como o protocolo
de petição de apresentação de laudo pericial por ele em 28/06/20124;
III) Troca de e-mails entre ANDA GABRIELA e o advogado da empresa CQM CONSTRUTORA LTDA Fernando Ferreira Porto, em que se verifica a atuação de ANDA GABRIELA como assistente técnica
no bojo da reclamação trabalhista nº 0000348-42.2011.502.0231, bem como a existência de consenso para pagamento de “honorários do perito judicial”;
IV) Declarações de ANDA GABRIELA em que ela descreve a sistemática de pagamento de “taxas” a peritos judiciais designados em processos trabalhistas para elaboração de laudos periciais que não
prejudicassem propositalmente as empresasreclamadas6;
V) Declarações de ANDA GABRIELA em que ela esclarece as circunstâncias dos pagamentos realizados a OSMAR GOUVEIAXAVIER em razão de sua atuação como perito judicial na reclamação trabalhista
nº 0000348-42.2011.502.0231,asseverando expressamente não ter com ele negócios lícitos que pudessem justificar a compensação de cheques de sua empresa em contas bancárias do perito.
(...)”
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 16/11/2020 753/2539