Disponibilização: terça-feira, 19 de janeiro de 2016
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III
São Paulo, Ano IX - Edição 2039
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pontos em comum justamente o seu fim, que seria melhorar a situação contratual daquele que redige o contrato ou detém
posição preponderante, o fornecedor, transferindo riscos ao consumidor, e seu efeito, que é o desequilíbrio do contrato em
razão da falta de reciprocidade e unilateralidade dos direitos assegurados ao fornecedor”. Numa tendência mais atual, conectase a abusividade a um paradigma como o princípio da boa-fé objetiva: “observar mais, seu efeito, seu resultado e não tanto
repreender uma situação maliciosa ou não subjetiva”, tal com se contém na Diretiva nº 93/13 da Comunidade Econômica
Europeia: “as cláusulas contratuais que não se tenham negociado individualmente considerar-se-ão abusivas se, perante as
exigências de boa-fé, causam em detrimento do consumidor um desequilíbrio importante entre os direitos e obrigações das
partes que derivam do contrato”. III.b Nessa linha não há invalidade na cláusula do contrato particular de promessa de compra
e venda que institui a possibilidade de prorrogação para conclusão da obra em até 180 dias. Esse período é compatível com a
realidade das coisas, com a prática de mercado e que se encontra no cotidiano. Bem por isso, é admitida pela interpretação
pretoriana paulista: “tem-se, ainda, que de acordo com a Jurisprudência dominante deste Tribunal que a cláusula de tolerância
de 180 dias prevista nos contratos para a aquisição de imóveis em construção é valida, não podendo ser reputada abusiva.
(Apel. 0024325-50.2011.8.26.0003, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Natan Zelinschi de Arruda, j. 27/09/12; Apel. 022165992.2011.8.26.0100, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 29/08/12; Apel. 0193649-38.2011.8.26.0100, 4ª Câmara de Direito Privado,
Rel. Maia da Cunha, j. 16/08/12; Apel. 0047226-28.2011.8.26.0224, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Vito Guglielmi, j. 02/08/12;
Apel. 0102851-31.2011.8.26.0100, 9ª Câmara de Direito Privado, Rel. Lucila Toledo, j. 22/05/12)”. IV.a Com isso em mente, vêse que a cláusula “5” do quadro resumo (fls. 48) preconiza que a entrega das chaves se daria (A) no prazo de 31 meses
contados do registro do contrato de financiamento à construção ... entre a promitente vendedora e o agente financeiro ou (B) em
três meses após a averbação do habite-se nas hipóteses de “imóveis prontos” ou de obras “realizadas com recursos próprios”.
Não há previsão de entrega após o “pagamento do preço total ajustado pelo comprador”. IV.b Na espécie seria incidente a
situação preconizada na opção “A”, demonstrando que o contrato de financiamento concedido por banco e correspondente
instituição de hipoteca foi registrado em 20 de fevereiro de 2013 (fls. 87 R.5 da Matrícula 108.649), de modo que o prazo de 31
meses encontrou seu termo em setembro/15, sendo passível de extensão por força da cláusula 5ª do compromisso de compra e
venda por 180 dias, o que inibiria a caracterização de mora da construtora antes de março/16. IV.c.1 Entretanto, a cláusula
quinta do contrato de promessa de compra e venda (fls. 53) estabelece uma ressalva com relação ao prazo de entrega e imissão
na posse. Aí é previsto que o imóvel será entregue no prazo que consta do item 5 do quadro resumo, “salvo se outra data for
estabelecida no contrato de financiamento com instituição financeira. Nesta hipótese, deverá prevalecer, para fins de entrega
das chaves, a data estabelecida no contrato de financiamento”. IV.c.2 Essa disposição conta com um perigoso potencial para
quebra de do equilíbrio na engenharia contratual e verdadeira submissão do compromissário adquirente a cláusula potestativa.
Ou mais que isso: à vontade de terceiro (o agente financeiro) conjugada à do compromissário vendedor. Note-se que não se
trata de simples condicionamento de entrega da unidade ao prévio pagamento do preço (esse com recursos advindos de
financiamento imobiliário), mas de definição da época de entrega da própria obra. IV.c.3 Mas na hipótese não há necessidade
de profunda incursão no tema relacionado à proteção ao consumidor, porque ao fim e ao cabo a disposição de ressalva é
favorável a este. . Isso porque, conforme se vê do R.5 da matrícula do imóvel (fls. 87), estipulou-se prazo para conclusão das
obras de 24 meses “contados a partir da data da celebração e assinatura deste contrato”, o qual foi firmado em “28 de dezembro
de 2012”. Significa dizer que por força do contrato de financiamento firmado entre a promitente vendedora ora ré e a instituição
financeira, o prazo para conclusão das obras encerrou-se em 28/12/2014. Tem-se com isso situação benéfica ao consumidor e
que, portanto, deve prevalecer. V Logo e computado o período de 180 dias, a obra deveria estar concluída e disponível para
entrega aos autores até 26 de junho de 2015. A entrega das chaves, contudo, deu-se somente em 28/07/2015 (fls. 66), ou seja,
com 01 mês e 02 dias de atraso. Veja-se que os desdobramentos do retardamento somente não seriam imputáveis à ré se, e
somente se, tivesse ela arguido (em objeção) que a posse da unidade somente não foi transmitida por culpa dos próprios
autores, que teriam inadimplido com alguma obrigação. Mas disso aqui não se cogitou. VI.a Como desdobramento desse fato,
pedem os demandantes condenação ao pagamento de multa, invocando a aplicação de cláusula penal que, no texto do contrato,
favorece apenas a ré. Tratando-se de simples impontualidade e não resolução (o que obsta a incidência das disposições
contidas na cláusula 7ª), a penitência (por extensão) haveria de ser aquela preconizada pela cláusula 4.2 (fls. 51/52), que
estatui que na hipótese de atraso no pagamento seriam incidentes juros de mora de 1% ao mês e multa de 2%. Compreende-se
que há aí situação efetivamente paritária com ressalva porque seu suporte primário repousa no atraso de satisfação de obrigação
de pagar o preço, o que corresponde ao dever principal atribuído ao adquirente, em contraposição à obrigação de entregar o
imóvel, encargo nuclear da vendedora. Dentre os postulados incorporados no Código de Defesa do Consumidor interessa aqui
ressaltar a regra de privilégio ao equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores (art. 4º, III) e assegurada igualdade
nas contratações (art. 6º, II), até porque serão abusivas as disposições contratuais que violem tais preceitos em prejuízo do
consumidor, estabelecendo obrigações que o coloquem em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
equidade (art. 51, IV). Nessa linha, para restauração do equilíbrio e afastamento da iniquidade haveria que se compreender que
eventual sanção preconizada em desfavor do consumidor para a situação de retardamento no cumprimento de suas obrigações
(e/ou pelo desfazimento do trato) é igualmente aplicável contra o fornecedor em condição análoga. Dessarte, prevendo o
contrato a incidência de multa para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá
incidir, em reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento. VI.b Este Juízo decidiu nesse sentido mais
de uma vez; todavia, melhor revendo o tema, reconsidera sua orientação. A “multa” corresponde a “pena”. Se assim o é, a
extensão para assegurar “igualdade” implica em indisfarçável violação ao princípio da reserva legal. Lembre-se o preceito
insculpido no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal”. E “Pena”, na melhor dicção da Carta Magna, é conceito que não se limita à sanção penal, como resposta à
prática de delito. É a reação à infração de natureza tributária, trabalhista, administrativa ou civil. Mercê desse mandamento, não
se revela correto criar uma punição, sem que ela advenha de uma de suas fontes: a lei ou o contrato. Ao se cogitar de “equilíbrio”
e aplicar a sanção para situação não prevista, o que se estará realizando é interpretação ampliativa de preceito sancionador, o
que é defeso. No particular, permito-me trasladar excerto de r. voto de lavra do Des. Francisco Eduardo Loureiro (a quem o
signatário devota profundo respeito intelectual) que se reputa exauriente: “Inviável o pedido de extensão da cláusula penal
ajustada entre as partes para a hipótese de atraso do pagamento do preço para o atraso na entrega do apartamento. Eventual
assimetria das obrigações das partes em contrato de consumo pode levar à nulidade das cláusulas abusivas. Isso não significa,
porém, possa o juiz intervir no contrato e criar nova cláusula penal, não ajustada entre as partes, para sancionar o comportamento
do fornecedor. Sabido que a cláusula penal, como diz o próprio nome, tem origem convencional, de modo que não pode o juiz
simplesmente substituir a vontade das partes e estender multas a novas situações jurídicas. Conheço perfeitamente recente
precedente do Superior Tribunal de Justiça que contém a seguinte passagem: “Seja por princípios gerais do direito, seja pela
principiologia adotada no Código de Defesa do Consumidor, seja, ainda, por comezinho imperativo de equidade, mostra-se
abusiva a prática de se estipular penalidade exclusivamente ao consumidor, para a hipótese de mora ou inadimplemento
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º