Disponibilização: sexta-feira, 30 de setembro de 2022
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I
São Paulo, Ano XV - Edição 3602
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Ramos - Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S/A - Vistos. KAMILA ALEXIA DA MOTTA RAMOS, qualificada nos
autos, ajuizou ação revisional de contrato de financiamento contra AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO
S/A, também qualificada nos autos, alegando, em síntese, que celebrou com a ré contrato de financiamento de veículo com
alienação fiduciária em garantia para aquisição do veículo automotor marca Volkswagen, modelo Gol City, ano de fabricação
2014, ano modelo 2015, tendo sido necessária, na verdade, dois refinanciamentos da dívida em razão do atraso no pagamento
das parcelas que, ao final, seria liguidado em quarenta e oito parcelas mensais e consecutivas de R$ 740,86, no entanto, a
acionada inseriu encargos não informados de maneira clara e adequada. Fez pedido de tutela antecipada para imediato depósito
do valor incontroverso das parcelas vincendas e, ao final, requereu a declaração de nulidade das cláusulas abusivas,
especialmente as decorrentes da taxas de juros arbitrados e tarifas cobradas, e a condenação da ré a devolver os valores
pagos. Indeferidos os pedidos de antecipação da tutela jurisdicional e de inversão do ônus da prova por decisão interlocutória
que se tornou irremediavelmente preclusa, ante a não interposição de agravo de instrumento dela, a ré foi citada e apresentou
contestação na qual impugnou a gratuidade da justiça concedido à autora e, quanto ao mérito, alegou, em resumo, ausência de
onerosidade excessiva e a não cobrança de taxas e tarifas indevidas que, além disso, são necessárias para assegurar a liquidez
das operações bancárias de abertura de crédito. Não há que se falar em limitação de juros e quanto a capitalização há previsão
contratual de que os juros remuneratórios serão cobrados quando da devolução do valor creditado e os moratórios em caso de
inadimplemento, não havendo previsão de capitalização dos juros. Rebateu as demais teses apresentadas, impugnou a
devolução de valores a que título for e pediu, ao final, a improcedência dos pedidos. A autora, intimada, ofereceu réplica à
contestação. É o relatório. Fundamento e decido. Trata-se de ação de conhecimento que tramita pelo procedimento comum e
que comporta o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil de 2015, sem a mínima
necessidade de produção de provas orais ou técnicas, uma vez que a matéria controvertida é unicamente de direito e os fatos
passíveis de demonstração apenas por documentos. A impugnação à justiça gratuita ofertada pela ré não merece prosperar,
uma vez que este juízo compartilha do entendimento de que não basta a declaração pura e simples do interessado de que não
tem condições de custear o processo para fazer jus ao benefício. A concessão da gratuidade da justiça à parte autora, aqui
impugnada, baseou-se no documento de página 20, que demonstra que ela não possui condições de arcar com o custeio do
processo e por isso não pode ser revogada enquanto persistir essa situação. Para a revogação dos benefícios da gratuidade da
justiça é necessário que o beneficiário aufira rendimentos de trabalho assalariado ou de outra fonte qualquer ou tenha patrimônio
que lhe confira renda para custear o processo judicial, o que não se verifica. O critério utilizado, em regra, pela Defensoria
Pública do Estado de São Paulo para aferir a situação de beneficiário da gratuidade da justiça é o da renda familiar não superior
a três salários mínimos e, no caso, o que a autora recebe é inferior a esse montante. Nesse sentido são os seguintes julgados
do Tribunal de Justiça de São Paulo: Agravo de instrumento - Servidor público estadual - Justiça gratuita - Indeferimento - Autor
que demonstrou auferir salário líquido de R$ 1.572,38, inferior ao parâmetro de três salários mínimos - Subjetivismo da norma
constitucional - Adoção de critério objetivo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo - Incoerência na hipótese dos autos
- Presunção relativa a ser verificada na situação concreta - Plausibilidade da alegação de que as despesas processuais
representariam prejuízo ao seu próprio sustento e de sua família - Recurso provido (8ª Câmara de Direito Público, AI
53.2010.8.26.0000, rel. Des. Cristina Cotrofe, v. u., j. 13.10.2010). Agravo de instrumento - Decisão que indeferiu pedido de
justiça gratuita presunção relativa do art. 5º, LXXIV, da CF - Subjetivismo da norma constitucional - Adoção do critério da
Defensoria Pública do Estado de São Paulo - Agravantes com vencimento líquidos variáveis, oscilando entre R$ 1.245,02 e R$
2.419,16, benefício concedido àqueles que percebem vencimentos de até três salários mínimos. Recurso parcialmente provido
(8ª Câmara de Direito Público, AI 0016674-10.2010.8.26.0000, rel. Des. Silvia Meirelles, v. u., j. 07.04.2010). Agravo de
instrumento - Assistência judiciária gratuita - Decisão de indeferimento do benefício - Pedido alternativo de diferimento do
recolhimento das custas processuais para o final da demanda - Pode o Juiz condicionar a concessão dos benefícios da
assistência judiciária gratuita à comprovação da situação financeira da parte requerente do benefício - Art. 5º, inciso LXXIV, da
Constituição Federal - Renda auferida pela agravante superior a quatro salários mínimos - Adoção do critério da Defensoria
Pública do Estado de São Paulo - Insuficiência financeira não evidenciada - Benefício denegado Decisão mantida Recurso
improvido (24ª Câmara de Direito Privado, AI 0028323-98.2012.8.26.0000, rel. Des. Plínio Novaes de Andrade Júnior, v. u., j.
22.03.2012). Ademais, não trouxe a parte ré documento novo que demonstrasse alteração das condições econômico-financeiras
da parte autora, de modo que deve ser mantida a gratuidade da justiça concedida a esta. Afastada a preliminar arguida, quanto
ao mérito da causa, verifica-se que o contrato de financiamento celebrado pelas partes tem por natureza a estipulação de
contraprestação por valores fixos, tanto que a parte autora não trouxe nenhuma prova documental - a única cabível na espécie
- que teria pago quantias variáveis ou em constante elevação ao longo do tempo. O instrumento contratual de páginas 24/35
contém campos específicos que indicam, de forma textual e inequívoca, que a modalidade é a prefixada, de modo que não há
variação do valores das prestações ao longo do tempo de vigência. Assim, como ajustados valores fixos, não há a mínima
possibilidade de que tenha havido a cobrança de juros sobre juros, razão pela qual a irresignação manifestada pela parte autora
contra uma suposta capitalização diária ou mensal, prática também conhecida por anatocismo, sem dúvida alguma não prospera.
A jurisprudência tem acentuado que, “prevendo o contrato de empréstimo (mútuo bancário) celebrado entre as partes o
pagamento de montante predeterminado, em prestações mensais fixas, inexiste capitalização mensal de juros, ficando
prejudicada a irresignação, nesse tópico” (TJRS, 1ª Câm. Especial Cível, Ap. 70017506833-Esteio, rel. Des. Miguel Ângelo da
Silva, j. 26.04.2007). E também já foi julgado que “não há falar em prática de anatocismo em contrato no qual se pactua o
pagamento de valor certo e determinado em parcelas fixas, com juros pré-fixados e desde logo embutidos no valor devido,
passando a integrar o todo” (TJRS, 17ª Câm. Cível, Ap. 70016287153, rel. Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha, j.
29.03.2007). Tem-se, ainda, igual entendimento por parte do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no sentido de “que o
pagamento do financiamento foi pactuado em prestações fixas, permitindo-se o conhecimento prévio do ágio bancário, a
descartar indubitavelmente a hipótese de ter havido ilícita capitalização” (21ª Câmara de Direito Privado, Ap. 004199358.2010.8.26.0071-Bauru, rel. Des. Maia da Rocha, j. 09.05.2012). A conclusão deste juízo, portanto, é no sentido de que a
parte autora deve mesmo efetuar o pagamento das parcelas pelos valores fixos ajustados no contrato de financiamento que
assinou ou aderiu, não lhe socorrendo, a esta altura, depois de celebrada a avença, pretender obter o expurgo de suposto
anatocismo, não ocorrente, ademais, na espécie. Ainda que assim não fosse, ou seja, mesmo que o contrato em debate
contemplasse a incidência de juros sobre juros, não se deve perder de vistas que referida avença foi firmada em 25 de julho de
2019 (página 24), já sob a vigência, portanto, da Medida Provisória nº 2.170/2000, que admite a capitalização de juros, assim
dispondo expressamente, em seu art. 5º: “Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro
Nacional é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano”. O próprio Superior Tribunal de Justiça vem
proclamando, nesse sentido, que “o artigo 5º da Medida Provisória 2.170-36 permite a capitalização dos juros remuneratórios,
com periodicidade inferior a um ano, nos contratos bancários celebrados após 31-03-2000, data em que o dispositivo foi
introduzido na MP 1963-17” (2ª Seção, REsp 602.068-RS, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJU 21.03.2005). Confira-se,
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º