limitação contida no art. 65, parágrafo único do Decreto 3.048/1999, que restringe o cômputo como tempo de serviço especial apenas do período relativo a auxílio-doença acidentário (STJ, 1ª Seção, REsp
1.723.181/RS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 01.08.2019).
Contudo, com a publicação do Decreto 10.410/2020, a redação do art. 65, parágrafo único, do Decreto 3.048/1999 passou a ser a seguinte: "Considera-se tempo de trabalho permanente aquele que é exercido de
forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço. Parágrafo único.
Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive ao período de férias, e aos de percepção de salário-maternidade, desde que, à data do afastamento, o
segurado estivesse exposto aos fatores de risco de que trata o art. 68."
Por consequência, com a exclusão dos benefícios por incapacidade do referido artigo, não será mais possível o cômputo como tempo de serviço especial de períodos de afastamento em razão de auxílio-doença (tanto
previdenciário quanto acidentário) a partir de 01.07.2020, data do início da vigência do Decreto 10.410/2020.
A avaliação da nocividade do agente pode se dar de forma somente qualitativa, hipótese em que o reconhecimento da natureza especial da atividade independe de mensuração (Anexos 6, 13, 13-A e 14 da NR-15 do
MTE), ou também quantitativa, hipótese em que a natureza especial da atividade somente pode ser reconhecida quando a mensuração da intensidade ou da concentração do agente nocivo no ambiente de trabalho
demonstrar que o segurado esteve exposto ao agente nocivo em nível superior ao limite de tolerância estabelecido (Anexos 1, 2, 3, 5, 8, 11 e 12 da NR-15 do MTE).
A nocividade do agente ruído se caracteriza de acordo com os limites de tolerância especificados no Decreto 53.831/1964, no Decreto 2.172/1997 e no Decreto 4.882/2003, ou seja, (a) até 05.03.1997, 80 dB(A), (b)
de 06.03.1997 a 18.11.2003, 90 dB(A), e (c) a partir de 19.11.2003, 85 dB(A) (STJ, 1ª Seção, Pet 9.059/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 09.09.2013).
Nesse caso, deve-se ressaltar que os danos causados ao organismo por aquele agente agressivo vão além daqueles relacionados à perda da audição, razão pela qual se aplica a Súmula 09 da Turma Nacional de
Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (“o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo
de serviço especial prestado”).
Esse entendimento veio a ser sufragado pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar o ARE 664.335/SC, ocasião em que ficou assentado o seguinte:
a) o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o equipamento de proteção individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a
nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial;
b) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do equipamento de
proteção individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
Todavia, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais - TNU, ao julgar o PEDILEF 0501309-27.2015.4.05.8300, em março de 2018, fixou o entendimento de que as atividades exercidas até
02.12.1998 podem ser consideradas como especiais, independentemente de constar no PPP a informação acerca do uso de EPI eficaz para qualquer agente nocivo, tese inclusive que já vem sendo adotada no âmbito
administrativo, nos moldes do art. 279, § 6º da Instrução Normativa 77 de 2015 [somente será considerada a adoção de equipamento de proteção individual – EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3
de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade (...)].
O art. 68, § 4º do Decreto 3.048/1999, com a redação conferida pelo Decreto 8.123/2013, estabelecia que “a presença no ambiente de trabalho, com possibilidade de exposição a ser apurada na forma dos §§ 2º e 3º,
de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será suficiente para a comprovação de efetiva exposição do trabalhador”.
A Portaria Interministerial MTE/MS/MPS nº 09/2014, em vigor a partir de 08.10.2014, publicou a Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos (Linach). No aludido normativo consta que para efeito do
art. 68, § 4º do Decreto 3.048/1999 “serão considerados agentes cancerígenos aqueles do Grupo 1 desta lista que tem registro no Chemical Abstracts Service – CAS”.
Porém, a TNU, em tese representativa de controvérsia (tema 170), assentou o entendimento de que a redação do art. 68, § 4º do Decreto 3.048/1999 poderia ser aplicada na avaliação de tempo especial de períodos a
ele anteriores, incluindo-se, para qualquer período, (a) desnecessidade de avaliação quantitativa e (b) ausência de descaracterização pela existência de EPI (TNU, PUIL nº 5006019-50.2013.4.04.7204/SC).
Assim, comprovada a presença no ambiente de trabalho de agentes reconhecidamente cancerígenos em humanos (Grupo 1 da Linach) com registro no CAS, bem como a exposição do trabalhador de forma habitual
e permanente a esses agentes, a avaliação deveria ser feita de forma qualitativa, devendo-se considerar especial a atividade, ainda que constasse no PPP informação acerca da eficácia de EPI.
Entretanto, com as alterações decorrentes da publicação do Decreto 10.410/2020, a redação do art. 68, § 4º do Decreto 3.048/1999 passou a ser a seguinte: “Os agentes reconhecidamente cancerígenos para
humanos, listados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, serão avaliados em conformidade com o disposto nos § 2º e § 3º deste artigo e no caput do art. 64 e, caso sejam
adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição”.
Logo, da conjugação de tais normas, pode-se concluir que, até 30.06.2020 (data da publicação do Decreto 10.410/2020), a exposição aos agentes cancerígenos listados na Linach é suficiente para o reconhecimento
do tempo de serviço especial, ainda que haja informação de eficácia do EPI. Entretanto, para os períodos posteriores, a utilização de EPI que elimine a nocividade do agente descaracteriza a atividade como especial.
A regra do art. 195, § 5º da Constituição Federal, segundo a qual “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”, é dirigida à
legislação ordinária posterior que venha a criar novo benefício ou a majorar e estender benefício já existente.
De acordo com tais parâmetros, passo a analisar o pedido de reconhecimento de tempo de serviço especial no período controvertido.
Período: de 12.01.1994 a 29.05.2020 (DER).
Empresa: São Martinho S/A - Agropecuária Boa Vista S/A.
Setor: fazendas.
Cargos/funções: trabalhador rural (até 31.07.1998), tratorista (de 01.08.1998 a 31.07.2001), motorista (de 01.08.2001 a 30.06.2008) e líder corte mecanizado (a partir de 01.07.2008).
Agentes nocivos alegados: radiações não ionizantes, ruídos em intensidade de 84 decibéis (de 01.08.1998 a 31.07.2001) e de 80 decibéis (de 01.08.2001 a 30.06.2008) e agentes químicos (poeiras alcalinas, até
31.07.2001).
Atividades: descritas no PPP.
Meios de prova: PPP (seq 02, fls. 12/23).
Enquadramento legal: prejudicado.
Conclusão: o tempo de serviço no período é comum. Não é possível o enquadramento em razão da atividade profissional de trabalhador rural, tendo em vista o quanto decidido em sede de recurso repetitivo (STJ, 1ª
Seção, PUIL 452/PE, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 14.06.2019). A radiação não ionizante é proveniente de fonte natural (luz solar), não sendo hábil ao enquadramento da atividade como especial. Os
níveis de ruído aos quais o segurado trabalhou exposto sempre foram inferiores aos limites de tolerância respectivos. Pela descrição das atividades, denota-se que a exposição aos agentes químicos “poeiras alcalinas”
ocorria de modo esporádico. Além disso, deve-se levar em conta a utilização de EPI eficaz a partir de 03.12.1998.
Portanto, não é devido o reconhecimento da natureza especial da atividade no período pleiteado pelo demandante. Logo, ele não faz jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, já que na via
administrativa o tempo de serviço comum apurado foi de 26 anos, 03 meses e 13 dias até 29.05.2020 (fls. 33/35 da seq 02). Também não há se falar em reafirmação da DER, porquanto até a presente data o autor não
teria cumprido os requisitos necessários à aposentação.
Ante o exposto, extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I do Código de Processo Civil, e julgo improcedentes os pedidos.
Não há, neste grau de jurisdição, condenação em custas processuais e honorários de sucumbência, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/1995.
Indefiro o benefício da gratuidade da justiça, conforme fundamentado supra.
Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se.
0001669-51.2019.4.03.6322 - 1ª VARA GABINETE - SENTENÇA COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO Nr. 2021/6322008452
AUTOR: WILSON ISSAO KUROSSAWA (SP230539 - LUIS FERNANDO POZZER)
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - I.N.S.S. (PREVID) (SP269285 - RAFAEL DUARTE RAMOS)
Vistos etc.
Cuida-se de ação ajuizada por Wilson Issao Kurossawa contra o Instituto Nacional do Seguro Social em que pleiteia a averbação de tempo de serviço urbano e a concessão de aposentadoria por tempo de
contribuição.
Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei 9.099/1995 c/c art. 1º da Lei 10.259/2001, passo ao julgamento do feito.
O autor requer a averbação do período 01.01.1977 a 06.02.1985, em que alega ter trabalhado na feira com o pai Kineo Kurossawa.
O art. 55, § 3º da Lei 8.213/1991 dispõe que “a comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito
quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento”.
Portanto, o tempo de serviço deve ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea, quando necessária ao preenchimento de
eventuais lacunas, não sendo admitida exclusivamente a prova testemunhal.
Consta nos autos declarações para fins escolares do pai do autor, de 1979 e 1980, em que afirma que o filho trabalhava com ele na feira no período diurno (seq 02, fls. 08 e 10).
Em Juízo, o autor disse que dos 12 aos 20 anos trabalhou com o pai e a mãe na feira em Ribeirão Preto. Vendiam tomates. Até 1979 estudava à tarde e nos anos 1980 a 1982 cursou o ensino médio no período noturno.
O relato do autor foi confirmado pelo depoimento das testemunhas Atílio Defina, Santo Caioni Muscelli e Sílvio Passos.
Do cotejo entre o início de prova material e a prova oral, restou comprovado que o autor trabalhou ajudando o pai e a mãe na feira em Ribeirão Preto.
Contudo, esse trabalho não pode ser caracterizado como relação de emprego, tratando-se de serviço inserido no contexto familiar visando à subsistência da família. O autor mencionou que ele trabalhava na feira com
o pai e a mãe durante toda a semana e aos finais de semana as irmãs também os ajudavam. Em casos como o dos autos, não há subordinação nem contraprestação específica pelo trabalho, os membros da família se
ajudam mutuamente visando ao desenvolvimento do grupo familiar.
Considerando que não houve relação de emprego nem recolhimento como autônomo (contribuinte individual), o tempo de serviço somente poderá ser computado caso o autor efetue o pagamento da indenização
correspondente, nos termos do art. 96, IV da Lei 8.213/1991, o que deve ser buscado na via administrativa, havendo interesse.
Ante o exposto, extingo o processo com resolução do mérito e julgo improcedente o pedido.
Sem custas e honorários nesta instância.
Publique-se. Sentença registrada eletronicamente. Intimem-se.
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 07/05/2021 587/964